Antes de tudo, quero avisar para não se preocuparem que vocês não lerão aqui nada parecido com “quadrinistas do mundo todo, uni-vos”. O título é só pra chamar a atenção. =)
A questão central é que definir exatamente o que é o Quarto Mundo é difícil inclusive para nós, tanto que se torna mais fácil definí-lo pelo o que ele não é: o Quarto Mundo não é uma editora, não é uma cooperativa, não é um selo de quadrinhos e não é uma distribuidora. Esse manifesto se propõe então a definir o mais precisamente possível qual é a idéia por trás do Quarto Mundo, tanto para o público leitor quanto para os quadrinistas que integram o coletivo, ou que virão a integrá-lo.
Pois bem, o Quarto Mundo é uma tentativa, um tanto quanto megalomaníaca, de viabilizar o surgimento de um mercado de quadrinhos nacional forte, estável, e acima de tudo, contínuo. Como a produção de quadrinhos brasileira hoje em dia é essencialmente feita de forma independente, nada mais óbvio então do que juntar forças entre esses diversos produtores independentes pra viabilizar a criação desse mercado.
Em qualquer mercado de quadrinhos no mundo (e não só o de quadrinhos, mas qualquer mercado cultural) existe uma sinergia entre o chamado mercado alternativo-underground e o mercado principal-mainstream. Um se alimenta do outro da seguinte maneira. No mercado alternativo é onde em geral acontece as experimentações, e por conseguinte, as evoluções da técnica e da linguagem artística. O mercado mainstrem por sua vez populariza essas inovações artísticas, renovando o mercado como um todo, elevando ele para um outro nível de qualidade até se estabilizar e se acomodar, provocando desta maneira uma nova série de experimentações no mercado alternativo. Assim sendo, o mercado alternativo de hoje tende a se transformar no mercado mainstream de amanhã que por sua vez forçará a criação de um novo mercado alternativo. Esse ciclo é extremamente benéfico e vitalizante para o mercado como um todo, pois é justamente o que o mantém sempre forte e contínuo.
No Brasil, no entanto, temos um caso suigeneris. Não podemos dizer que temos de fato um mercado de quadrinhos nacional pois justamente não temos esse ciclo de desenvolvimento entre o mercado alternativo e o mainstream. O resultado disso é que os poucos títulos mainstream publicados que obtiveram sucesso não prosseguiram em suas ações pois não existia um mercado alternativo forte que pudesse alimentá-los, seja com inovações técnicas e artísticas, ou principalmente, com novos quadrinistas que dariam prosseguimento a esse trabalho. Assim, o ciclo é quebrado, e sempre que uma nova investida é dada por alguém no mercado mainstream, a roda precisa ser inventada de novo, pois se perdeu o que se havia feito.
A conclusão a que podemos chegar com o que foi exposto até agora é que antes de pensar num mercado de quadrinhos nacional mainstream que seja forte e estável, é preciso construir um mercado alternativo que servirá como base de sustentação a esse mercado mainstream. E é aqui que entra o Quarto Mundo, pois como já foi dito, a nossa produção atual de quadrinhos é essencialmente independente, então o nosso coletivo se propõe a dar base de sustentação a essa produção para que futuramente algumas dessas revistas em quadrinhos (e os quadrinistas que as editam) possam, por suas vez, servir de base de sustentação para um possível mercado mainstream.
Para cumprir esse objetivo, o quarto mundo está apoiado em três pilares teóricos e práticos.
O primeiro deles refere-se ao próprio funcionamento do mercado cultural hoje em dia, que está apoiado na teoria econômica da Cauda Longa. O termo Cauda Longa foi criado em 2004 por Chris Anderson, editor-chefe da revista Wired, e se popularizou através de um livro que ele escreveu intitulado The Long Tail. Em seu livro, Anderson analisa as alterações no mercado econômico, sobretudo na indústria cultural, em que ocorre um fenômeno de migração da cultura de massa para a cultura de nichos devido a convergência digital e da Internet, o que implica em um novo padrão de comportamento por parte dos consumidores.
O primeiro ramo da indústria cultural a sentir o impacto da Cauda Longa foi o da música, mas ela já está afetando em maior ou menor grau outros segmentos, como os quadrinhos. Dentro do escopo dessa nova economia, fenômenos de venda como os X-Men do Jim Lee ou a Chiclete com Banana (para citarmos um exemplo nacional) dificilmente voltarão a acontecer. Cada vez mais deixaremos de ter esses grandes “hits” de vendas assim como teremos uma queda nas tiragens, ao mesmo tempo em que haverá um crescimento no número de títulos. Dentro da Cauda Longa, o custo de manutenção de um produto muito procurado é igual ao custo de manutenção de um produto procurado apenas por um número mínimo de consumidores, então nichos que antes eram ignorados pelas editoras passam agora a ter grande valor econômico.
Então o que mais interessa para o Quarto Mundo na Cauda Longa é que em um mercado de nicho, como é o caso dos quadrinhos independentes, o que importa não é a quantidade, mas a variedade. Ou seja, mais vale termos 100 revistas com tiragem de mil exemplares do que uma única revista com tiragem de 100 mil. O lucro que você obtém vendendo um exemplar de cada uma dessas 100 revistas é o mesmo que você teria vendendo 100 exemplares de uma única revista, mas as chances de você vender um exemplar de cada uma são maiores do que você vender 100 de uma, principalmente porque você pode vender diferentes revistas para uma única pessoa, mas não pode vender a mesma revista várias vezes para essa mesma pessoa (a não ser que ela tenha um sério problema de memória). Sem contar que com uma ampla variedade de títulos, as chances de o leitor se interessar por pelo menos um deles são bem maiores. Enfim, como as tiragens de nossas revistas são pequenas não há como ganharmos na economia de escala, mas através do coletivo e aplicando o modelo da Cauda Longa podemos potencializar os nossos ganhos com a economia de escopo.
E aí que está a importância das trocas de revistas promovidas pelos integrantes do Quarto Mundo entre si. Não apenas pelo fato de essas trocas viabilizarem a distribuição de nossas revistas por diversas regiões do país, mas também porque você terá um opção maior de títulos para oferecer aos leitores de sua própria região. É como se cada quadrinistas fosse uma editora com um amplo e variado catálogo de títulos. Como as trocas são feitas por valores iguais, o dinheiro que você vendeu da revista de outro quadrinista ficam para você. Assim, ganha você, que obtém um lucro maior pra reinvestir em sua própria revista. Ganha o quadrinista que teve a revista vendida por você, que ganhará um novo leitor de seu título e que eventualmente poderá difundir sua revista para outros possíveis leitores. E ganha o leitor, que descobriu uma opção a mais de leitura fora do universo das livrarias e bancas de jornais.
O segundo pilar no qual o quarto mundo está assentado é o que se convencionou chamar de Lei de Sturgeon. Theodore Sturgeon foi um autor de ficção científica que em resposta a um crítico literário que falou que a maioria das coisas que eram produzidas de sci-fi eram medíocres, disse que ele estava certo, 90% da produção em sci-fi é de fato medíocre, mas isso porque 90% do que é produzido em toda literatura também é.
Essa lei dos 90% de produção medíocre para os 10% de produção genial, apesar de se tratar de um pensamento hiperbólico, pode ser aplicada a qualquer mercado cultural, o que inclui os quadrinhos. Em geral, o que chega ao Brasil é apenas a nata da produção mundial, então não percebemos a quantidade de títulos medíocres que todo e qualquer mercado de quadrinhos possuí, seja o o norte-americano, o europeu, o japonês, etc. E não seria diferente com um possível mercado de quadrinhos brasileiro.
O problema é que o leitor brasileiro também só percebe a nata da produção mundial, e quando olha para as tentativas de produções brasileiras querem que essas produções já tenham logo de cara a genialidade que encontram nessas produções mundiais. Mas essas produções só chegaram a essa genialidade porque foram forçadas a superar os 90% de seu próprio mercado. É quase que um darwinismo aplicado aos quadrinhos.
Sendo assim, para termos uma boa quantidade de títulos brasileiros nos 10%, será preciso antes que tenhamos uma quantidade maior ainda de títulos nos 90%. Por isso que quanto mais quadrinistas se aventurarem a publicar de forma independente, melhor. Quanto mais gente publicando tivermos, mais acirrado será a “competição” entre eles, forçando o nível de qualidade de todo mundo a aumentar se quiser não ser deixado pra trás. Não devemos ser ingênuos, muitas das revistas publicadas atualmente não conseguirão sobreviver (o que não impede seus editores de tentarem de novo, com outras propostas e abordagem), mas as que sobreviverem, terão um nível de qualidade tão alto, que serão capazes de disputar frente à frente com os títulos gringos, quiçá, no próprio mercado deles.
Mas para que isso aconteça é preciso antes de tudo que a revista encontre seu leitor. Muitas revistas em quadrinhos morrem prematuramente não porque são tecnicamente ou artisticamente ruins, mas porque não conseguem chegar ao mínimo de leitores que poderiam atingir para sobreviverem. Uma das atuações do Quarto Mundo é justamente em não deixar que uma revista em quadrinhos independente morra por “infanticídio”. É preciso fazer como que ela encontre o seu público mínimo para poder ter tempo de crescer, amadurecer e assim se tornar competitiva se quiser futuramente atingir o seu potencial máximo de leitores.
De nada adianta, pro exemplo, tentar vender uma revista em quadrinhos de humor junkie para um público de super-heróis, assim como será inútil tentar vender uma revista de super-heróis para um público que curte humor junkie. Uma revista em quadrinhos só ganhará maturidade se tiver o feedback de seu próprio público leitor. A atuação do Quarto Mundo se dá então em ajudar a encontrar os modos e os canais de venda corretos para cada tipo de revista, onde ela possa encontrar o seu devido público leitor. Assim sendo, se uma revista conseguir chegar aos seus leitores corretos, e mesmo assim não tiver uma boa aceitação, saberemos de fato que é porque tal revista não possuí qualidades técnicas e artísticas suficientes para sobreviver dentro de sua própria proposta editorial, e não porque foi morta prematuramente sem sequer atingir seus potenciais leitores.
Por fim, o terceiro e último pilar do Quarto Mundo refere-se a própria organização do coletivo com base em um modelo em que não existem hierarquias e nem mesmo um comando central, estimulando deste modo uma colaboração livre e aberta entre seus integrantes. Esse modelo de organização baseado na colaboração mútua é chamada na nova economia de peer production, ou simplesmente peering. As primeiras aplicações de peering se deram no campo da tecnologia, em especial, na de softwares de código-aberto, como é o caso do sistema operacional Linux, mas hoje em dia esse tipo de organização já se espalhou para outros setores da economia. E a tendência é que cada vez mais se abandone as organizações hierárquicas e se passe a adotar uma organização horizontal.
Então dentro desse modelo de organização, cada quadrinistas no Quarto Mundo é como se fosse uma célula de um organismo maior, que é o próprio coletivo. Como uma célula, cada um sabe a sua função para manter esse organismo vivo. Algumas células podem ter maiores atribuições do que outras, mas não há relação de superioridade ou inferioridade entre elas.
Uma organização desse tipo só funciona quando há uma forte relação de confiança entre seus membros. Todo quadrinistas que está no Quarto Mundo, o está porque foi convidado por alguém que confia nele. O Quarto Mundo só funciona por causa dessa rede de confiança, que não pode ser quebrada de forma alguma, senão toda a organização poderá ruir.
A metáfora da falange é talvez o melhor modo pra explicar a dinâmica do Quarto Mundo. Na falange, o escudo de um soldado não é utilizado para proteger a si mesmo, mas sim para proteger ao homem que está lutando ao seu lado, que por sua vez usará o seu escudo pra proteger o próximo, e assim por diante. Você só é capaz de proteger o homem ao seu lado, porque tem plena confiança de que um outro homem também o está protegendo. Essa confiança nunca pode ser quebrada se a falange quiser manter-se de pé e lutando. E assim deve ser também no Quarto Mundo.
Então para concluir, é com base nesses três pilares apresentados que o Quarto Mundo se propõe a ajudar os quadrinistas independentes a publicarem, distribuírem, divulgarem e venderem as suas revistas. Para assim quem sabe um dia possamos ter de fato um mercado de quadrinhos nacional grande e forte, e não apenas uma “quitanda”. Se vamos conseguir atingir esse objetivo, não sabemos. Mas ninguém poderá dizer que ficamos de braços cruzados e nem ao menos tentamos.
Pra saber mais: http://4mundo.com/
A questão central é que definir exatamente o que é o Quarto Mundo é difícil inclusive para nós, tanto que se torna mais fácil definí-lo pelo o que ele não é: o Quarto Mundo não é uma editora, não é uma cooperativa, não é um selo de quadrinhos e não é uma distribuidora. Esse manifesto se propõe então a definir o mais precisamente possível qual é a idéia por trás do Quarto Mundo, tanto para o público leitor quanto para os quadrinistas que integram o coletivo, ou que virão a integrá-lo.
Pois bem, o Quarto Mundo é uma tentativa, um tanto quanto megalomaníaca, de viabilizar o surgimento de um mercado de quadrinhos nacional forte, estável, e acima de tudo, contínuo. Como a produção de quadrinhos brasileira hoje em dia é essencialmente feita de forma independente, nada mais óbvio então do que juntar forças entre esses diversos produtores independentes pra viabilizar a criação desse mercado.
Em qualquer mercado de quadrinhos no mundo (e não só o de quadrinhos, mas qualquer mercado cultural) existe uma sinergia entre o chamado mercado alternativo-underground e o mercado principal-mainstream. Um se alimenta do outro da seguinte maneira. No mercado alternativo é onde em geral acontece as experimentações, e por conseguinte, as evoluções da técnica e da linguagem artística. O mercado mainstrem por sua vez populariza essas inovações artísticas, renovando o mercado como um todo, elevando ele para um outro nível de qualidade até se estabilizar e se acomodar, provocando desta maneira uma nova série de experimentações no mercado alternativo. Assim sendo, o mercado alternativo de hoje tende a se transformar no mercado mainstream de amanhã que por sua vez forçará a criação de um novo mercado alternativo. Esse ciclo é extremamente benéfico e vitalizante para o mercado como um todo, pois é justamente o que o mantém sempre forte e contínuo.
No Brasil, no entanto, temos um caso suigeneris. Não podemos dizer que temos de fato um mercado de quadrinhos nacional pois justamente não temos esse ciclo de desenvolvimento entre o mercado alternativo e o mainstream. O resultado disso é que os poucos títulos mainstream publicados que obtiveram sucesso não prosseguiram em suas ações pois não existia um mercado alternativo forte que pudesse alimentá-los, seja com inovações técnicas e artísticas, ou principalmente, com novos quadrinistas que dariam prosseguimento a esse trabalho. Assim, o ciclo é quebrado, e sempre que uma nova investida é dada por alguém no mercado mainstream, a roda precisa ser inventada de novo, pois se perdeu o que se havia feito.
A conclusão a que podemos chegar com o que foi exposto até agora é que antes de pensar num mercado de quadrinhos nacional mainstream que seja forte e estável, é preciso construir um mercado alternativo que servirá como base de sustentação a esse mercado mainstream. E é aqui que entra o Quarto Mundo, pois como já foi dito, a nossa produção atual de quadrinhos é essencialmente independente, então o nosso coletivo se propõe a dar base de sustentação a essa produção para que futuramente algumas dessas revistas em quadrinhos (e os quadrinistas que as editam) possam, por suas vez, servir de base de sustentação para um possível mercado mainstream.
Para cumprir esse objetivo, o quarto mundo está apoiado em três pilares teóricos e práticos.
O primeiro deles refere-se ao próprio funcionamento do mercado cultural hoje em dia, que está apoiado na teoria econômica da Cauda Longa. O termo Cauda Longa foi criado em 2004 por Chris Anderson, editor-chefe da revista Wired, e se popularizou através de um livro que ele escreveu intitulado The Long Tail. Em seu livro, Anderson analisa as alterações no mercado econômico, sobretudo na indústria cultural, em que ocorre um fenômeno de migração da cultura de massa para a cultura de nichos devido a convergência digital e da Internet, o que implica em um novo padrão de comportamento por parte dos consumidores.
O primeiro ramo da indústria cultural a sentir o impacto da Cauda Longa foi o da música, mas ela já está afetando em maior ou menor grau outros segmentos, como os quadrinhos. Dentro do escopo dessa nova economia, fenômenos de venda como os X-Men do Jim Lee ou a Chiclete com Banana (para citarmos um exemplo nacional) dificilmente voltarão a acontecer. Cada vez mais deixaremos de ter esses grandes “hits” de vendas assim como teremos uma queda nas tiragens, ao mesmo tempo em que haverá um crescimento no número de títulos. Dentro da Cauda Longa, o custo de manutenção de um produto muito procurado é igual ao custo de manutenção de um produto procurado apenas por um número mínimo de consumidores, então nichos que antes eram ignorados pelas editoras passam agora a ter grande valor econômico.
Então o que mais interessa para o Quarto Mundo na Cauda Longa é que em um mercado de nicho, como é o caso dos quadrinhos independentes, o que importa não é a quantidade, mas a variedade. Ou seja, mais vale termos 100 revistas com tiragem de mil exemplares do que uma única revista com tiragem de 100 mil. O lucro que você obtém vendendo um exemplar de cada uma dessas 100 revistas é o mesmo que você teria vendendo 100 exemplares de uma única revista, mas as chances de você vender um exemplar de cada uma são maiores do que você vender 100 de uma, principalmente porque você pode vender diferentes revistas para uma única pessoa, mas não pode vender a mesma revista várias vezes para essa mesma pessoa (a não ser que ela tenha um sério problema de memória). Sem contar que com uma ampla variedade de títulos, as chances de o leitor se interessar por pelo menos um deles são bem maiores. Enfim, como as tiragens de nossas revistas são pequenas não há como ganharmos na economia de escala, mas através do coletivo e aplicando o modelo da Cauda Longa podemos potencializar os nossos ganhos com a economia de escopo.
E aí que está a importância das trocas de revistas promovidas pelos integrantes do Quarto Mundo entre si. Não apenas pelo fato de essas trocas viabilizarem a distribuição de nossas revistas por diversas regiões do país, mas também porque você terá um opção maior de títulos para oferecer aos leitores de sua própria região. É como se cada quadrinistas fosse uma editora com um amplo e variado catálogo de títulos. Como as trocas são feitas por valores iguais, o dinheiro que você vendeu da revista de outro quadrinista ficam para você. Assim, ganha você, que obtém um lucro maior pra reinvestir em sua própria revista. Ganha o quadrinista que teve a revista vendida por você, que ganhará um novo leitor de seu título e que eventualmente poderá difundir sua revista para outros possíveis leitores. E ganha o leitor, que descobriu uma opção a mais de leitura fora do universo das livrarias e bancas de jornais.
O segundo pilar no qual o quarto mundo está assentado é o que se convencionou chamar de Lei de Sturgeon. Theodore Sturgeon foi um autor de ficção científica que em resposta a um crítico literário que falou que a maioria das coisas que eram produzidas de sci-fi eram medíocres, disse que ele estava certo, 90% da produção em sci-fi é de fato medíocre, mas isso porque 90% do que é produzido em toda literatura também é.
Essa lei dos 90% de produção medíocre para os 10% de produção genial, apesar de se tratar de um pensamento hiperbólico, pode ser aplicada a qualquer mercado cultural, o que inclui os quadrinhos. Em geral, o que chega ao Brasil é apenas a nata da produção mundial, então não percebemos a quantidade de títulos medíocres que todo e qualquer mercado de quadrinhos possuí, seja o o norte-americano, o europeu, o japonês, etc. E não seria diferente com um possível mercado de quadrinhos brasileiro.
O problema é que o leitor brasileiro também só percebe a nata da produção mundial, e quando olha para as tentativas de produções brasileiras querem que essas produções já tenham logo de cara a genialidade que encontram nessas produções mundiais. Mas essas produções só chegaram a essa genialidade porque foram forçadas a superar os 90% de seu próprio mercado. É quase que um darwinismo aplicado aos quadrinhos.
Sendo assim, para termos uma boa quantidade de títulos brasileiros nos 10%, será preciso antes que tenhamos uma quantidade maior ainda de títulos nos 90%. Por isso que quanto mais quadrinistas se aventurarem a publicar de forma independente, melhor. Quanto mais gente publicando tivermos, mais acirrado será a “competição” entre eles, forçando o nível de qualidade de todo mundo a aumentar se quiser não ser deixado pra trás. Não devemos ser ingênuos, muitas das revistas publicadas atualmente não conseguirão sobreviver (o que não impede seus editores de tentarem de novo, com outras propostas e abordagem), mas as que sobreviverem, terão um nível de qualidade tão alto, que serão capazes de disputar frente à frente com os títulos gringos, quiçá, no próprio mercado deles.
Mas para que isso aconteça é preciso antes de tudo que a revista encontre seu leitor. Muitas revistas em quadrinhos morrem prematuramente não porque são tecnicamente ou artisticamente ruins, mas porque não conseguem chegar ao mínimo de leitores que poderiam atingir para sobreviverem. Uma das atuações do Quarto Mundo é justamente em não deixar que uma revista em quadrinhos independente morra por “infanticídio”. É preciso fazer como que ela encontre o seu público mínimo para poder ter tempo de crescer, amadurecer e assim se tornar competitiva se quiser futuramente atingir o seu potencial máximo de leitores.
De nada adianta, pro exemplo, tentar vender uma revista em quadrinhos de humor junkie para um público de super-heróis, assim como será inútil tentar vender uma revista de super-heróis para um público que curte humor junkie. Uma revista em quadrinhos só ganhará maturidade se tiver o feedback de seu próprio público leitor. A atuação do Quarto Mundo se dá então em ajudar a encontrar os modos e os canais de venda corretos para cada tipo de revista, onde ela possa encontrar o seu devido público leitor. Assim sendo, se uma revista conseguir chegar aos seus leitores corretos, e mesmo assim não tiver uma boa aceitação, saberemos de fato que é porque tal revista não possuí qualidades técnicas e artísticas suficientes para sobreviver dentro de sua própria proposta editorial, e não porque foi morta prematuramente sem sequer atingir seus potenciais leitores.
Por fim, o terceiro e último pilar do Quarto Mundo refere-se a própria organização do coletivo com base em um modelo em que não existem hierarquias e nem mesmo um comando central, estimulando deste modo uma colaboração livre e aberta entre seus integrantes. Esse modelo de organização baseado na colaboração mútua é chamada na nova economia de peer production, ou simplesmente peering. As primeiras aplicações de peering se deram no campo da tecnologia, em especial, na de softwares de código-aberto, como é o caso do sistema operacional Linux, mas hoje em dia esse tipo de organização já se espalhou para outros setores da economia. E a tendência é que cada vez mais se abandone as organizações hierárquicas e se passe a adotar uma organização horizontal.
Então dentro desse modelo de organização, cada quadrinistas no Quarto Mundo é como se fosse uma célula de um organismo maior, que é o próprio coletivo. Como uma célula, cada um sabe a sua função para manter esse organismo vivo. Algumas células podem ter maiores atribuições do que outras, mas não há relação de superioridade ou inferioridade entre elas.
Uma organização desse tipo só funciona quando há uma forte relação de confiança entre seus membros. Todo quadrinistas que está no Quarto Mundo, o está porque foi convidado por alguém que confia nele. O Quarto Mundo só funciona por causa dessa rede de confiança, que não pode ser quebrada de forma alguma, senão toda a organização poderá ruir.
A metáfora da falange é talvez o melhor modo pra explicar a dinâmica do Quarto Mundo. Na falange, o escudo de um soldado não é utilizado para proteger a si mesmo, mas sim para proteger ao homem que está lutando ao seu lado, que por sua vez usará o seu escudo pra proteger o próximo, e assim por diante. Você só é capaz de proteger o homem ao seu lado, porque tem plena confiança de que um outro homem também o está protegendo. Essa confiança nunca pode ser quebrada se a falange quiser manter-se de pé e lutando. E assim deve ser também no Quarto Mundo.
Então para concluir, é com base nesses três pilares apresentados que o Quarto Mundo se propõe a ajudar os quadrinistas independentes a publicarem, distribuírem, divulgarem e venderem as suas revistas. Para assim quem sabe um dia possamos ter de fato um mercado de quadrinhos nacional grande e forte, e não apenas uma “quitanda”. Se vamos conseguir atingir esse objetivo, não sabemos. Mas ninguém poderá dizer que ficamos de braços cruzados e nem ao menos tentamos.
Pra saber mais: http://4mundo.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário