Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde ela me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.
Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também.
Tenho que escolher o que detesto - ou o sonho, que a minha inteligência odeia, ou a acção, que a minha sensibilidade repugna; ou a acção, para que não nasci, ou o sonho, para que ninguém nasceu.Resulta que, como detesto ambos, não escolho nenhum; mas, como hei--de, em certa ocasião, ou sonhar ou agir, misturo uma coisa com outra.
Bernardo Soares
2 comentários:
Não há dúvida que és mais português do que a maioria dos portugueses. Um abraço deste lado do Atlântico.
Ah e adorei as capas da Penguim, eles não páram de me impressionar.
Pois, pá. Há dias em que o lado lisboeta fala mais alto e a cena do Tejo faz-me uma falta imensa.
E não desamines se não foi desta que o Presidente Honesto chegou a Belém. Na próxima, lá estaremos. Eu faço campanha para ele deste lado do Atlântico na Casa de Portugal. Já cá temos os Gato Fedorento, por que não o Presidente Honesto?
Postar um comentário