27 novembro 2006

Mário Cesariny (1923 - 2006)

MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS nasceu no dia 9 de Agosto de 1923 em Lisboa. Freqüentou a Escola de Artes Decorativas António Arroio e estudou música com o compositor Fernando Lopes Graça. Considerado o mais importante representante poeta português da escola Surrealista, encontra-se em 1947 com André Breton, fato determinante no desenvolvimento de seu trabalho literário. Ainda nesse ano participa, junto com Alexandre O'neill, Antônio Pedro etc., do Grupo Surrealista de Lisboa. Algum tempo depois, por não concordar com a linha ideológica do grupo, afasta-se de maneira polêmica e funda o "Grupo Surrealista Dissidente". Principal representante do Surrealismo português, Mario Cesariny, no início de sua produção literária, mostra-se influenciado por Cesário Verde e pelo Futurismo de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa. Ao integrar-se ao Grupo Surrealista, muda o seu estilo, trazendo para sua obra o "absurdo", o "insólito" e o "o inverossímil". Além de poeta, romancista, ensaísta e dramaturgo, também dedicou-se a às artes plásticas, sobretudo à pintura.

Rua do Ouro

Ai dele que tanto lutou e afinal
está tão só. Tão sozinho. Chora.
Direcção da Companhia Tantos de Tal.
Cinquenta e três anos. Chove, lá fora.

Chora, porquê? Ora, chora.
Uma crise de nervos, coisa passageira.
É, talvez, pela mulher que o adora?
(A ele ou à carteira?)

Seis horas. Foi-se o pessoal.
O homem que venceu está sozinho.
Mas reage:que diabo. Afinal...
E olha para o cofre cheínho.

Sim estou só ainda bem por que não? ele diz
batendo com os punhos na mesa.
Lutei e venci. Sou feliz
E bate com os punhos na mesa.

Seis e meia. Ó neurastenia
o homem que venceu está de borco
e sente uma grande agonia
que afinal é da carne de porco
que comeu no outro dia.

É da carne de porco ele diz
vendo a chuva que cai num saguão.
É da carne de porco. Sou feliz.
E ampara a cabeça com as mãos.

Durante toda a vida explorou o semelhante.
Por causa dele arruinaram-se uns cem.
Agora, tem medo. E o farsante
diz que é feliz diz que está muito bem.

Sim, reage. Que diabo. Terei medo?
E vê as horas no relógio vizinho.
Mas, ai, não é tarde nem cedo.
Ele, que venceu, está sozinho.

Venceu quem? Venceu o quê? Venceu os outros
Os outros, os que o queriam vencer!
Arruinou-os, matou-os aos poucos.
Então não o queriam lá ver?

Sim, reage: Esta noite a Leonor
amanhã de manhã o Salemos
e depois? Ah o novo motor
veremos veremos veremos

Mas pouco do que diz tem sentido.
Tudo hoje lhe é vago uniforme miudinho.
O homem que venceu está vencido.
O dinheiro tapou-lhe o caminho.

Os filhos? esperam que ele morra.
A mulher? espera que ele morra.
O sócio? Pede a Deus que ele morra!
Só a Anita não quer que ele morra!
Ai, maldita carne, murmura
vendo a água que há no saguão.
Tinha demasiada gordura!
E veste o casaco e o gabão.

Passa os olhos pelo lenço. Acabou-se.
Vai sair. Talvez vá jantar?
É inverno. Lá fora, faz frio.

O homem que venceu matou-se
na margem mais escura do rio
ao volante dum belo Packard

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