01 março 2006

Fragmentos portugueses
(Histórias que eu escutei em Portugal entre 2004 e 2005)

José Duarte viveu em Moçambique por 20 anos, “cresceu vendendo vinho com água pros blacks” como ele mesmo dizia. Foi o dono do primeiro mercedes de Lourenço Marques.
Fez a vida, fez família e fez riqueza. Em 75, depois da descolonização exemplar, voltava de um casamento com a família quando viu uma coluna de fumaça no horizonte. A cem metros da sua casa um empregado jogou-se à frente do carro e berrou: “ Dr. , não vai lá não que eles tão matando todo mundo.”
José fez meia volta e rumou pro aeroporto, embarcaram pra Portugal com a roupa do corpo (terno e gravata) e um passaporte onde dizia “português de segunda”.
Com milhares de portugueses voltando, não havia lugar e nem emprego, mas José deu sorte, conseguiu trabalho de porteiro em uma escola na periferia de Lisboa. Com ele ficaram os três filhos adultos vivendo em um quarto na oficina da escola.
Trinta anos depois, José está cego, ainda é porteiro da mesma escola. A única notícia que teve de seus 17 imóveis e 5 carros nestes anos todos, é que um amigo viu um oficial da Frelimo dirigindo seu Mercedes pelas ruas da recém-batizada capital Maputo.

Ao lado da escola viviam a cabo-verdiana Maria e seu filho Gogomir. Quando tinha dezessete anos, Gogomir era sempre visto na Cova da Moura com uns tipos bem suspeitos, Aos dezenove, vizinhos acordaram com Maria aos berros chamando o filho que corria pela estrada de terra com o vídeo-cassete debaixo do braço. “Não chateis, pá. Vou levar pra arranjar”. O vídeo nunca mais foi visto, Gogomir ainda apareceu mais umas duas vezes. Depois disso Maria só viu seu filho de novo no Correio da Manhã numa foto onde se lia “ Mortos em tiroteio com a PSP”.

Quando era criança Gogomir sempre ia às festas da escola e ficava olhando um tipo grande, quase dois metros, de alcunha Bifanas. Bifanas passava o tempo todo do lado da porta de braços cruzados. Ficava sempre olhando para Rute, dois anos mais nova que ele. Em sete anos ninguém nunca tirou Rute pra dançar. Um dia, veio um tipo das Beiras e se engraçou com a garota. Bifanas avançou pra cima do sujeito e fez-lhe a folha. Foi última festa em que Bifanas foi visto.

Desde que tomou uma sova em uma festa na linha de Sintra, Nuno nunca mais colocou os pés no Sul. Depois que terminou o Liceu, foi trabalhar com o pai na fábrica de confecções da Covilhã. A industria prosperou e a família enriqueceu. Enquanto todos iam pra Serra da Estrela no inverno, Nuno ia pra Suíça, e foi lá que ele tomou o primeiro pico de heroína. Gostou, criou o hábito de ficar pedrado de vez em quando. Quando o pai morreu, assumiu os negócios e durante alguns anos tudo correu bem. Até que os chineses chegaram com seus tecidos a preços impossíveis. As coisas começaram a ir mal, e Nuno foi perdendo o controle. Só se sentia bem com a heroína. Em dois anos, perdeu tudo e foi viver com a mãe em um prédio nos arredores do Porto. Sofreu muito, mas graças à metadona e aos remédios psiquiátricos que rouba da mãe, conseguiu largar a droga.

Wong chegou em Portugal em 2003 fugindo de uma ameaça da tríade chinesa. Primeiro, trabalhou em um restaurante chinês na Praça Duque de Saldanha em Lisboa, mas não tinha aptidão pra isso, sempre se irritava com os clientes. Alguns meses depois, abriu uma Loja de Produtos a 1 Euro com dinheiro emprestado e começou a prosperar. Cheio de orgulho e dinheiro, passou a freqüentar a noite lisboeta. No Bairro Alto conheceu Rita e se apaixonou, Cortejou-a por um ano inteiro e quase se matou quando soube que ela era noiva de um contabilista de Tondela. Hoje, Wong pensa em voltar pra China, Talvez seus inimigos já tenham se esquecido dele.

Marco era contabilista em Tondela. Em um fim-de-semana em Lisboa conheceu Rita, corresponderam-se por seis meses, noivaram e casaram. Rita mudou-se pra Tondela e arranjou emprego em uma fábrica de confecções. Ela se sentia feliz, mas queria mesmo era trabalhar com crianças na escola da cidade. Um dia, quando o Marco foi a Lisboa resolver assuntos de um cliente foi assaltado e morreu em decorrência de um tiro. Em 2004, Rita largou a fábrica e prestou concurso para Polícia de Segurança Pública de Coimbra.