14 dezembro 2005

Mutarelli e J C Fernandes
A vitória dos difíceis.

Existe um fato que une Lourenço Mutarelli e José Carlos Fernandes na minha vida. No início, odiava ambos, e hoje, estão entre os meus preferidos.
Confesso, sem vergonha alguma, que na primeira vez que vi uma história do Mutarelli meio que passei ao lado, praticamente ignorei. O traço não me atraiu e o enredo, simplesmente me pareceu bizarro. Na segunda, já fui dominado pela repulsa ao testemunhar no ápice da história um ritual satânico animado com pedofilia e mutilações.
Já com Fernandes, as primeiras páginas só me pareceram sem graça e mal desenhadas, mal memorizei o nome do autor.
Anos depois, imaginem qual não foi minha surpresa, quando conheci a SAGA DE DIOMEDES e A PIOR BANDA DO MUNDO. Pra começar, ambas são de um refinamento e uma maturidade extremamente raras nas BDs / HQs. Em segundo lugar, elas são a maior prova de que os maus desenhistas também encontram seu estilo e são capazes de um repertório gráfico de dar inveja em qualquer virtuoso do bico de pena.
Este empenho no grafismo e na busca na representação visual pessoal são comprovados em relatos de ambos que dizem respeito a mudanças gráficas que foram obrigados a fazer por dificuldade em encontrar certos produtos artísticos (papel no caso de Fernandes e bico de pena no caso de Mutarelli) que impediam a continuidade de um conceito gráfico que estava sendo trabalhado ao longo da série.
A SAGA DE DIOMEDES, presente em O Dobro de Cinco, O Rei do Ponto, A Soma de Tudo é, em primeiro lugar, uma leitura apaixonante; em segundo, uma abordagem invulgar nas histórias de detetives anti-heróis. O roteiro é de uma genialidade de dar inveja, com idas e vindas que ligam os personagens e tornam os quatro volumes um ciclo onde início e fim se confundem. O primeiro volume é com certeza o melhor de todos, mas confesso que mexeu comigo a visão que Mutarelli tinha de Lisboa nos dois últimos volumes.
A PIOR BANDA DO MUNDO é uma coletânea de histórias curtas (que já vai pelo quinto volume), onde o autor faz uma mistura balanceada de Borges, Kafka e do jeito de ser português. As referências estão por toda parte (quem é que não reconheceu a Casa da Moeda de Lisboa?) e o monocromatismo dá o clima dos personagens e do “povo suave”.
Fico curioso pra ver o que esses dois autores vão fazer a seguir.

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